quinta-feira

La Moustache

(The way back machine I)


A maior perversão do filme 'La Moustache', para além do incompreensível título português "amor suspeito"é , na minha opinião, a adaptação do romance do próprio Carrère conseguir apresentar-nos a fragilidade da identidade e da sanidade, a irrupção da paranóia, e a ameaça do espaço seguro (e securizante) dos nossos passos, relações e gestos mais familiares, da mesma forma que um soberbo episódio da "The Twilight Zone" , e que como tal, independentemente da plausibilidade dos pesadelos dos protagonistas, dificilmente os encaramos como nossos.


Com efeito, o realizador consegue distanciar-nos da loucura , ao exibir magistralmente a lógica realistica das explicações antagónicas que cada um dos elementos do casal detém para os mesmos acontecimentos ambíguos, cabendo aos espectadores as considerações sobre a realidade /ilusão que os factos encerram. O realizador aguça-nos as incertezas quanto ao carácter das personagens, consciente que, tal como Marc (Vincent Lindon) que, no desfecho, abdica perfidamente da sua verdade (no romance, o protagonista suicida-se), também nós já questionámos a validade das nossas percepções.

Emmanuel Carrère sabe que também nós, espectadores, nos cruzámos directa ou indirectamente com a insanidade e destrutividade, até então bem ocultas numa fachada de equilíbirio mental e correcção moral de pessoas que julgámos próximas; que todos nós desejamos ardentemente que as aparências correspondam à verdade das coisas para que assim possamos agarrar-nos à fiabilidade das nossas percepções; que já ignorámos as incoerências daqueles que sabem comportar-se como se tivessem sentimentos, e que apesar de desprovidos de qualquer capacidade empática, são - como diria Arno Gruen - "apresentadores (exímios) da consciência" ( dramatizam a ideia que têm de amor, da ternura, da raiva , do remorso e da vergonha, mas não as emoções realmente sentidas); sabe que alguns de nós nos 'deitámos com o Diabo', e que a dada altura optámos, perversamente, por também fechar os olhos.





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